Nessa semana o coral de nossa igreja
foi cantar na Fundação Casa e apresentou uma parte da cantata de Natal desse
ano. Fui para levar uma palavra àqueles adolescentes internos e confesso que
estava preocupado com o que diria a eles. Sim, eles cumprem uma pena segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas não podemos ter uma visão
simplista. Seria tolice pensar que esse problema não nos pertence e que é mais
fácil mantê-los trancafiados. Não! Esse é um problema da sociedade brasileira,
pois quando fechamos nossos olhos às injustiças o mal campeia.
*Pr. Gilson Souto Maior Junior |
Quando entramos tive a impressão de
estar num presídio com muros altos, grades internas, cercas de arame farpado e
num pátio cerca de 40 adolescentes nos esperavam. Era um início de noite
chuvoso e eles estavam ali sentados, com seus monitores e professoras;
receberam-nos com um olhar de expectativa e distância, simplesmente normal para
aqueles que estão naquela condição. E enquanto o coral cantava e eles escutavam
com atenção a mensagem cantada, fiquei olhando o rosto deles e orei: “Deus, o
que posso falar para eles?”.
Naquele momento entre as músicas de
Natal e as paredes da prisão lembrei-me da história do teólogo Jürgen Moltmann
(1926-). Nascido numa família secular ele foi alistado aos 17 anos em 1943 na
Luftwaffe. Em julho daquele ano, durante um bombardeio britânico em Hamburgo,
apenas ele sobreviveu entre os companheiros que estavam nas baterias
antiaéreas. Ele mesmo recorda como chorou e acabou a gritar pela primeira vez
por Deus: “meu Deus, onde estás?” (MOLTMANN, Biografia e teologia, 1998, p.20).
Depois disso foi obrigado a lutar em terra até que em 1945 rendeu-se ao
primeiro soldado inglês que viu. Entre 1945 e 1948 viu muitos jovens soldados
morrerem deprimidos e chegou a dizer que havia perdido a esperança na cultura
germânica depois que viu fotos de Auschiwitz e Buchenwald na parede com o
extermínio de judeus e outros grupos. Ele disse: “Às
depressões devidas às destruições da guerra e à prisão, agregou-se um
sentimento de profunda vergonha por termos de continuar a suportar aquele
vexame” (MOLTMANN, A fonte de vida, p.12).
Depois de serem transferidos da Bélgica
para a Inglaterra, um capelão do exército americano lhe deu um Novo Testamento
com os Salmos. Logo uma Bíblia! Ele que nunca se dedicou a buscar a Deus, agora se via diante de um livro que nunca leu ou
amou. Começou a ler os Salmos até que chegou numa parte que dizia: “Deste
aos meus dias o comprimento de alguns palmos; o tempo da minha vida é como nada
diante de ti. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é apenas um
sopro. Na verdade, todo homem vive como uma sombra; inquieta-se e ajunta
riquezas em vão, e não sabe quem ficará com elas. Agora, Senhor, o que eu
espero? Minha esperança está em ti. Livra-me de todas as minhas transgressões;
não faças de mim alvo de zombaria do insensato. Estou mudo, não abro a boca por
causa do que tu fizeste. Retira de mim o teu flagelo; desfaleço pelo golpe da
tua mão. Quando castigas o homem com repreensões por causa do pecado, destróis,
como traça, o que ele tem de precioso. Na verdade, todo homem é apenas um
sopro. SENHOR, ouve minha oração e inclina os ouvidos ao meu clamor! Não te
cales diante das minhas lágrimas, porque sou para contigo como um estrangeiro,
um peregrino como todos os meus pais” (Salmo
39:5-12). O texto dos salmos veio como um bálsamo em sua alma.
Depois ele leu os
Evangelhos e ao ver o sofrimento de Cristo, disse: “Cristo – amigo na
peregrinação, que abandonou tudo para procurar as vidas abandonadas, Cristo –
aquele que me toma pela mão em seu caminho rumo à ressurreição e à vida. Eu
tornei a perceber a coragem de viver. Tomou-me – de modo lento, mas seguro –
uma grande esperança na vida plena. Eu ouvi novamente os tons musicais, vi de
novo as cores, senti mais uma vez as forças da vida” (MOLTMANN, Vida, esperança
e justiça, p.11). A esperança surgiu naquele coração por causa da graça de Deus
revelada em Jesus Cristo.
Ali, diante daqueles
adolescentes abri a Bíblia e compartilhei com eles a mensagem da esperança.
Disse a eles que eles não nasceram em vão, mesmo que os pais nunca os tivessem
planejados. Eles não eram um acidente de percurso, pois Deus tinha um plano
para suas vidas. O pecado nos torna prisioneiros, mas Cristo nasceu para nos
libertar, pois como diz João: “Porque Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (João 3:16). Falei-lhes do verdadeiro
sentido do Natal, que não era a festa em si, nem a mesa farta de comida nem
presentes, mas Jesus Cristo, dado por Deus para pagar nossos pecados.
Contei-lhes a história de Moltmann e lhes disse: “Não sei os motivos que os
trouxeram para cá, mas sei de algo. Viemos aqui dizer que há esperança para
vocês, esperança atrás dos arames farpados. Vocês não foram criados para estar
aqui, mas somente Jesus Cristo poderá dar-lhes perdão para seus pecados e poder
para vencer a tentação quando saírem daqui. Quanto mais longe da luz andamos,
mais nas trevas caminhamos; Jesus Cristo é a luz do mundo e somente Nele
encontramos a razão da nossa esperança”.
Isso é Natal! É a esperança que brilha
com a graça de Deus, manifesta na cruz de Cristo, pois foi para isso que Ele
nasceu: Para morrer pelos nossos pecados e nos libertar da prisão espiritual
que nos cega. Natal que dura um dia é uma festa sem graça. O Natal verdadeiro é
aquele que Jesus Cristo nos transforma diariamente e nos dá esperança de algo
melhor que esse mundo. Essa festa dura para sempre!
Gilson Souto Maior Junior, Pastor
Sênior da Igreja Batista do Estoril.- Bauru-SP
E-mail: gilsonsmjr@hotmail.com
“Eu
não encontrei a Cristo, mas foi Ele quem me encontrou” (Jürgen Moltmann)
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