12 de dezembro de 2014

HÁ ESPERANÇA ATRÁS DOS ARAMES FARPADOS!

Nessa semana o coral de nossa igreja foi cantar na Fundação Casa e apresentou uma parte da cantata de Natal desse ano. Fui para levar uma palavra àqueles adolescentes internos e confesso que estava preocupado com o que diria a eles. Sim, eles cumprem uma pena segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas não podemos ter uma visão simplista. Seria tolice pensar que esse problema não nos pertence e que é mais fácil mantê-los trancafiados. Não! Esse é um problema da sociedade brasileira, pois quando fechamos nossos olhos às injustiças o mal campeia.
*Pr. Gilson Souto Maior Junior

Quando entramos tive a impressão de estar num presídio com muros altos, grades internas, cercas de arame farpado e num pátio cerca de 40 adolescentes nos esperavam. Era um início de noite chuvoso e eles estavam ali sentados, com seus monitores e professoras; receberam-nos com um olhar de expectativa e distância, simplesmente normal para aqueles que estão naquela condição. E enquanto o coral cantava e eles escutavam com atenção a mensagem cantada, fiquei olhando o rosto deles e orei: “Deus, o que posso falar para eles?”.
Naquele momento entre as músicas de Natal e as paredes da prisão lembrei-me da história do teólogo Jürgen Moltmann (1926-). Nascido numa família secular ele foi alistado aos 17 anos em 1943 na Luftwaffe. Em julho daquele ano, durante um bombardeio britânico em Hamburgo, apenas ele sobreviveu entre os companheiros que estavam nas baterias antiaéreas. Ele mesmo recorda como chorou e acabou a gritar pela primeira vez por Deus: “meu Deus, onde estás?” (MOLTMANN, Biografia e teologia, 1998, p.20). Depois disso foi obrigado a lutar em terra até que em 1945 rendeu-se ao primeiro soldado inglês que viu. Entre 1945 e 1948 viu muitos jovens soldados morrerem deprimidos e chegou a dizer que havia perdido a esperança na cultura germânica depois que viu fotos de Auschiwitz e Buchenwald na parede com o extermínio de judeus e outros grupos. Ele disse: “Às depressões devidas às destruições da guerra e à prisão, agregou-se um sentimento de profunda vergonha por termos de continuar a suportar aquele vexame” (MOLTMANN, A fonte de vida, p.12).
Depois de serem transferidos da Bélgica para a Inglaterra, um capelão do exército americano lhe deu um Novo Testamento com os Salmos. Logo uma Bíblia! Ele que nunca se dedicou a buscar a Deus, agora se via diante de um livro que nunca leu ou amou. Começou a ler os Salmos até que chegou numa parte que dizia: “Deste aos meus dias o comprimento de alguns palmos; o tempo da minha vida é como nada diante de ti. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é apenas um sopro. Na verdade, todo homem vive como uma sombra; inquieta-se e ajunta riquezas em vão, e não sabe quem ficará com elas. Agora, Senhor, o que eu espero? Minha esperança está em ti. Livra-me de todas as minhas transgressões; não faças de mim alvo de zombaria do insensato. Estou mudo, não abro a boca por causa do que tu fizeste. Retira de mim o teu flagelo; desfaleço pelo golpe da tua mão. Quando castigas o homem com repreensões por causa do pecado, destróis, como traça, o que ele tem de precioso. Na verdade, todo homem é apenas um sopro. SENHOR, ouve minha oração e inclina os ouvidos ao meu clamor! Não te cales diante das minhas lágrimas, porque sou para contigo como um estrangeiro, um peregrino como todos os meus pais” (Salmo 39:5-12). O texto dos salmos veio como um bálsamo em sua alma.
Depois ele leu os Evangelhos e ao ver o sofrimento de Cristo, disse: “Cristo – amigo na peregrinação, que abandonou tudo para procurar as vidas abandonadas, Cristo – aquele que me toma pela mão em seu caminho rumo à ressurreição e à vida. Eu tornei a perceber a coragem de viver. Tomou-me – de modo lento, mas seguro – uma grande esperança na vida plena. Eu ouvi novamente os tons musicais, vi de novo as cores, senti mais uma vez as forças da vida” (MOLTMANN, Vida, esperança e justiça, p.11). A esperança surgiu naquele coração por causa da graça de Deus revelada em Jesus Cristo.
Ali, diante daqueles adolescentes abri a Bíblia e compartilhei com eles a mensagem da esperança. Disse a eles que eles não nasceram em vão, mesmo que os pais nunca os tivessem planejados. Eles não eram um acidente de percurso, pois Deus tinha um plano para suas vidas. O pecado nos torna prisioneiros, mas Cristo nasceu para nos libertar, pois como diz João: “Porque Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Falei-lhes do verdadeiro sentido do Natal, que não era a festa em si, nem a mesa farta de comida nem presentes, mas Jesus Cristo, dado por Deus para pagar nossos pecados. Contei-lhes a história de Moltmann e lhes disse: “Não sei os motivos que os trouxeram para cá, mas sei de algo. Viemos aqui dizer que há esperança para vocês, esperança atrás dos arames farpados. Vocês não foram criados para estar aqui, mas somente Jesus Cristo poderá dar-lhes perdão para seus pecados e poder para vencer a tentação quando saírem daqui. Quanto mais longe da luz andamos, mais nas trevas caminhamos; Jesus Cristo é a luz do mundo e somente Nele encontramos a razão da nossa esperança”.
Isso é Natal! É a esperança que brilha com a graça de Deus, manifesta na cruz de Cristo, pois foi para isso que Ele nasceu: Para morrer pelos nossos pecados e nos libertar da prisão espiritual que nos cega. Natal que dura um dia é uma festa sem graça. O Natal verdadeiro é aquele que Jesus Cristo nos transforma diariamente e nos dá esperança de algo melhor que esse mundo. Essa festa dura para sempre!

Gilson Souto Maior Junior, Pastor Sênior da Igreja Batista do Estoril.- Bauru-SP

“Eu não encontrei a Cristo, mas foi Ele quem me encontrou” (Jürgen Moltmann)


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