Nessa semana um texto de Jeremias (5:1-9) chamou minha atenção, quando Deus diz ao profeta: “Andai pelas ruas de Jerusalém, vede agora, informai-vos e buscai pelas suas praças. Se puderdes encontrar um homem, um só homem que pratique a justiça e busque a verdade, eu perdoarei a cidade” (5:1). É interessante que há uma semelhança muito grande entre o que Deus pede ao profeta para buscar pela cidade de Jerusalém um homem justo e o que fez Diógenes de Sinope (Διογένης ὁ Σινωπεύς; 413-323 a.C.), fundador do Cinismo, quando andava em plena luz do dia com uma lanterna na mão nas ruas de Atenas procurando um homem honesto. Deus ordenou ao profeta que fizesse isso para mostrar o grau de pecaminosidade de Jerusalém.
Pr. Gilson Jr. Igreja Batista do Estoril - Bauru-SP |
A questão é que as pessoas em Jerusalém estavam vivendo uma vida profundamente incorreta. É muito interessante que Deus diz que busca alguém “[...] que pratique a justiça e busque a verdade [...]”. Praticar a justiça é agir corretamente com os outros; verdade aqui é 'emûnâ (hebraico), e significa mais que simplesmente a verdade, pois em 5:3 ela é traduzida como “fidelidade” e como “fé” em Habacuque 2:4. Ou seja, os habitantes de Jerusalém viviam de uma forma que confrontava os princípios de Deus. Se o profeta achasse alguém Deus perdoaria a cidade. No entanto, Deus diz: “E ainda que digam: Vive o SENHOR, certamente juram com falsidade” (5:2). Ou seja, a postura deles não era apenas injusta e mentirosa; eles viviam em falsidade diante de Deus, uma vida religiosa apenas de aparências.
Por isso o profeta declara: “Ó SENHOR, por acaso não é a verdade que teus olhos procuram? Tu os feriste, mas não lhes doeu; tu os consumiste, mas se recusaram a receber a correção. Endureceram o rosto mais do que uma rocha e não quiseram se converter” (5:3). Os olhos de Deus procuravam uma postura digna e a visão aqui é de um olhar investigativo da parte do Senhor. Apesar disso o que Deus encontrou foi um povo insensível e duro, incapaz de aceitar a correção e de se converter.
O texto prossegue: “Então eu disse: De fato eles são pobres e insensatos, pois não conhecem o caminho do SENHOR, nem a justiça do seu Deus” (5:4). Para Jeremias os “pobres” são aqueles que não tinham oportunidade para estudar a lei; talvez a questão fosse apenas uma ignorância intelectual, mas essa não era a questão: “Irei aos líderes e falarei com eles, pois conhecem o caminho do SENHOR e a justiça do seu Deus. Mas também eles quebraram o jugo e romperam as cordas” (5:5). Tanto o povo como a liderança do país estava numa situação espiritual calamitosa, de total afastamento de Deus. Quebrar o jugo e romper as cordas expressa uma atitude de rebeldia em relação ao Senhor e mostra que todas as camadas da sociedade estavam corrompidas pelo pecado.
Diante desse quadro Deus determina: “Por isso um leão da floresta os matará, um lobo dos desertos os destruirá, um leopardo ficará à espreita contra suas cidades; todo aquele que delas sair será despedaçado. Porque as suas transgressões são muitas, e a sua rebeldia é grande” (5:6). Na Palestina esses animais selvagens existiam, mas certamente aqui é uma forma figurada para indicar a ação de nações inimigas no território judeu; Deus estava pronto para julgá-los por causa de suas transgressões e rebeldia.
O profeta então diz: “Como poderei perdoar-te? Pois teus filhos me abandonaram e juraram pelos que não são deuses. Depois de eu os haver sustentado, adulteraram e se ajuntaram em bandos nos prostíbulos. Como garanhões bem nutridos, cada um andava relinchando à mulher do seu próximo” (5:7,8). A questão é, de fato, muito séria, a ponto de Deus dizer: “Como poderei perdoar-te?”. O que eles tinham feito ao ponto de Deus fazer essa inquirição?
A questão principal era a infidelidade contra o SENHOR (Yahweh), manifestada numa adoração aos deuses cananeus, principalmente Baal. Deus declara algo bem elucidativo: “[...] Depois de eu os haver sustentado, adulteraram e se ajuntaram em bandos nos prostíbulos”. O Senhor havia sustentado os israelitas, ou literalmente “saciado, satisfeito com comida” (wä'asbi'a), mas agora eles atribuíam isso a Baal. Por quê? Porque Baal era o deus da guerra e da fertilidade e os judeus, ao invés de glorificarem a Deus pelas bênçãos recebidas, atribuíam isso ao deus cananeu. A adoração cananita estava envolvida por uma forte promiscuidade com seus prostitutos e prostitutas cultuais gerando uma degradação moral profunda. Além disso, a idolatria israelita era comparada ao adultério espiritual.
É profundamente significativo compreender aqui também que Deus se porta como um marido traído. Naquela época os maridos também eram chamados de “baal”, “senhor”. Por isso o profeta Oséias disse cento e vinte anos antes de Jeremias: “Naquele dia, diz o SENHOR, ela me chamará meu marido [´îšî]; e não me chamará mais meu Baal [ba`lî]. Pois tirarei da sua boca os nomes dos baalins, e ela não mencionará mais esses nomes” (Oséias 2:16,17). Deus não escondeu Sua santa ira por causa da traição de Israel e Judá, bem como a falta de gratidão de Seu povo.
Por isso o texto termina dizendo: “Por acaso não os castigarei por causa dessas coisas, diz o SENHOR, ou não me vingarei de uma nação como esta?” (5:9). Deus não deixaria impune o pecado de Seu povo pelos motivos expostos: Injustiça, falsidade, dureza espiritual, ignorância, rebeldia, ingratidão e adultério espiritual. A pergunta já pressupõe a resposta: “Sim! Deus irá punir o Seu povo, pois foi traído”.
O texto nos chama a uma profunda reflexão quanto nossas atitudes perante o Senhor. Os motivos que levaram Deus a punir Israel e Judá podem ser os mesmo hoje em nossa nação e na Igreja atual. Infelizmente vivemos num país em que a grande maioria professa um Deus que não conhece, não se submete e não O adora, inclusive os chamados “evangélicos”. Não tenho dúvidas que a crise seja um tempo de punição e julgamento sobre a nação, de modo que precisamos orar cada vez mais para que o Senhor cuide daqueles que são Seus em tempos tão difíceis. Uma coisa é certa: “Todavia, o firme fundamento de Deus permanece e tem este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor” (2Timóteo 2:19).
Uma boa semana! Fraternalmente em Cristo,
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