Pr. Gilson Jr.
Pastor da Igreja Batista do Estoril
Há momentos em nossa vida que as cores são em tom
cinza, a alegria parece ter nos deixado, o vazio e a solidão nos cercam e assim
quando nos damos conta percebemos que estamos no deserto. Muitos servos de Deus
passaram por desertos inquietantes; no entanto, foi ali que eles perceberam a
maravilhosa graça de Deus.
O rei Davi, num de seus instantes mais difíceis, diante
da perseguição de Saul e assaltado pelos temores da morte diz a Deus: “Por
isso, eu disse: Ah! Quem me dera ter asas como de pomba! Eu voaria e
encontraria descanso. Fugiria para longe e me esconderia no deserto” (Salmo 55:6,7).
Fica evidente que o salmista está angustiado e depressivo deseja fugir dos
problemas e dilemas que lhe cercam. Eram inimigos físicos e imaginários, sua
alma se perturbava diante da ferocidade e da ira de Saul. O que fazer? Apesar
do tom melancólico do salmo Davi termina dizendo: “[...] mas
eu confiarei em ti” (55:23b).
Outro exemplo interessante é observar a experiência do
profeta Elias. Depois da manifestação gloriosa de Deus no monte Carmelo, quando
fogo desceu do céu e consumiu o altar restaurado – provando que Yahweh era o
Deus de Israel – Elias foge porque ouviu a ameaça de Jezabel. Diz a Bíblia: “Mas
ele entrou pelo deserto, caminho de um dia, sentou-se debaixo de um arbusto e
pediu para si a morte, dizendo: Já basta, ó SENHOR. Toma agora a minha vida,
pois não sou melhor que meus pais” (1Reis 19:4). Aqui Elias saiu do ápice de uma
experiência espiritual para a depressão mais profunda; ali, debaixo do arbusto
pede a morte e dorme como se esperando acordar em outro lugar.
Observando esses dois gigantes da fé contemplamos a
fragilidade de nossa humanidade. Andar com Deus nunca será uma caminhada segura
e sem obstáculos; às vezes a estrada é longa, com muitos perigos, crises e por
vezes passa pelo deserto. Adorar e servir um Deus invisível é a garantia de que
vamos passar por momentos de dúvida e angústia, principalmente quando ansiamos alguma
coisa ou colocamos alvos muito altos para nossa vida. Como um pai amoroso Deus
nos guia e se chegamos ao deserto precisamos compreender que foi Ele mesmo quem
nos levou até lá. Às vezes Ele mesmo nos dá uma ordem como fez com Israel: “Vós,
porém, dai meia-volta e parti para o deserto, pelo caminho do mar Vermelho” (Deuteronômio 1:40;
cf. Êxodo 13:18).
Mas por que Deus nos guiaria para o deserto? Da mesma
forma que Davi precisava ser lapidado em sua fé, e Elias precisava saber que
não era o único em Israel, e o povo de Israel precisasse compreender quem de
fato os tinha livrado do Egito, assim o Senhor usa os desertos da vida para
fortalecer nossa fé, abrir nossos olhos e corrigir nossa direção. Sim, nos
desertos Deus nos corrige, nos aprimora e fortalece nossa fé. O nosso grande
problema é pensar que o deserto é o nosso fim; e assim ficamos amuados,
reclamando e em alguns casos simplesmente esperando a morte.
Um dos exemplos mais fantásticos de deserto – para mim
– é o profeta Jeremias. Ele viveu um dos piores momentos da nação judaica e durante
seu ministério ele passou do céu ao inferno; viu o surgimento de um rei justo e
piedoso como Josias, acompanhou todo um processo de avivamento espiritual
através da liderança desse rei; mas, de repente, lamentou a sua morte na
batalha de Megido (2Crônicas 35:25). Jeremias viu aquele avivamento sumir logo
após a morte do rei e surgir uma apostasia terrível. Ele não era mais ouvido e
foi tido como traidor da nação, do templo e considerado por muitos um falso
profeta foi jogado numa cisterna sem água. Ele viu a cidade de Jerusalém ser
cercada pelos exércitos babilônios, milhares de pessoas morrerem de fome, de peste
e da guerra, milhares serem deportados e sofreu a vergonha de seu povo. Ele
passou por momentos de dúvida, de medo e angústia espiritual. Por vezes – e foram
muitas – chorou e clamou a Deus, perguntando por que ele tinha que passar por
aquilo. Por duas vezes disse que Deus o havia enganado (Jeremias 4:10; 20:7) e
se sentia sozinho por causa de sua missão (Jeremias 15:17). Creio que ninguém
chorou tanto na Bíblia quanto o profeta Jeremias. No entanto, ele sentiu a bondade
de Deus apesar dos momentos de crise que ele vivenciou.
Nos escombros de Jerusalém ele escreveu o livro das
Lamentações. Esse livro expõe a tristeza, a esperança e a fé do profeta. Ele
declara: “Restaura-nos a ti
para que voltemos a ti, SENHOR; renova os nossos dias como antigamente” (Lamentações
5:21). Encontro aqui a melhor orientação para vencer o deserto espiritual que
tanto afligem muitos cristãos.
Em primeiro lugar o deserto é vencido com humildade. Quando
nossa vida espiritual passa por momentos assim precisamos reconhecer que há
algo de errado conosco. Deus pode nos levar ao deserto para fortalecer a nossa
fé, mas também para lapidar erros ou coisas que precisam ser mudadas em nossa
vida. Precisamos ter coragem e humildade de dizer: “Restaura-nos [...]”.
Em segundo lugar, precisamos saber qual o alvo do
deserto. Não somos levados ao deserto para morrer, mas para voltar ao Senhor: “Restaura-nos a ti para que voltemos a ti,
SENHOR [...]”.
Mais que corrigir nossa visão e aprimorar nossa fé, o alvo mesmo é que voltemos
ao Senhor e o conheçamos melhor (cf. Oséias 6:3). O propósito de Deus é claro: “Todavia,
eu a atrairei, levarei para o deserto e lhe falarei ao coração” (Oséias 2:14).
O deserto é um chamado ao primeiro amor, àquela devoção
e piedade que na caminhada fomos esquecendo e deixando para trás: “[...] renova os nossos dias como antigamente”. De tempos em
tempos precisamos renovar nosso amor, nossa aliança e nosso compromisso. E
assim, passando pelo sofrimento, dor e angústia, apesar da areia, do vento seco
e do sol escaldante, podemos contemplar uma nuvem que nos guia de dia e uma
coluna de fogo a noite. A fé consegue visualizar isso e simplesmente dizer: “Mas
tirou seu povo como ovelhas e como um rebanho o conduziu pelo deserto. Guiou-os
com segurança, de modo que não temeram; mas seus inimigos afundaram no mar” (Salmo 78:52,53).
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