15 de agosto de 2014

A DOR E O SOFRIMENTO DA PERDA... COMO ENFRENTÁ-LO?

O Reverendo Charles H. Spurgeon (1834-1892) disse certa vez: “As cartas do amor de Deus muitas vezes nos vem em envelopes tarjados de preto”. 
Eu li isso ontem de manhã bem cedo, antes de ser anunciada a tragédia que acometeu o presidenciável Eduardo Campos e os ocupantes daquele avião. Certamente muitas indagações são feitas numa situação como essa e em geral as pessoas ficam perdidas diante daquilo que é incontrolável.
*Pr. Gilson Souto Maior

Lembro-me, também daquele livro bem interessante intitulado "Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas" do escritor judeu Harold Kushner. Seu texto se detém no velho debate: “Deus é bom, mas não é onipotente para conter o mal” versus “Deus é onipotente, mas não é bom o suficiente para evitar o sofrimento”. Este debate tem se estendido por séculos sem fim, e Kushner preferiu se posicionar ao lado do Deus bom e fraco. Creio que alguma vez já nos questionamos quanto aos sofrimentos que passamos na vida. Como é possível conciliar bondade divina, sofrimento humano, vontade soberana e dor? Não é à toa vermos muitas pessoas, inclusive cristãos que estão em crise. Ninguém gosta de sofrer.
Mas quando sofremos fica muito difícil vermos um Deus bondoso agindo. Precisamos compreender que a dor, embora seja algo que não queiramos na vida, é imprescindível para que a vida seja possível. Philip Yancey no seu livro “Onde está Deus quando chega a dor?” declara: “A dor, portanto, não é o grande erro de Deus. É uma dádiva, a dádiva que ninguém deseja. Sem ela, nossas vidas estariam em perigo e prestes a sofrer decadência” (YANCEY, 2005, p. 30). E isto é verdade. É a dor que nos força a tirar a mão de um fogão aquecido. E através da dor podemos ver a sabedoria de Deus, pois a dor está fora de nosso controle. Com isso vemos que a dor e o sofrimento não podem ser vistos apenas num aspecto negativo.
O problema é que vivemos numa cultura pragmática onde os fins acabam sempre justificando os meios, os “comos” tornam-se mais relevantes do que os “porquês” e a capacidade de produzir resultados define a competência e o valor da pessoa. Num contexto assim, nos habituamos mais a olhar para a doação do que para o doador, a valorizar mais o que recebemos do que a pessoa de quem recebemos. Ao fazer isto, desenvolvemos um padrão relacional impessoal e confuso. Tornamo-nos limitados na compreensão que temos das pessoas porque passamos a julgá-las pelo que fazem, e não pelo que são. Nosso juízo sobre elas fica prejudicado pela incapacidade de dar significado às suas ações.
Há uma oração de Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) que diz: “Senhor, mesmo que nos dês a beber o cálice amargo do sofrimento, cheio até as bordas, nós o aceitamos gratos e sem temer, pois ele vem das tuas mãos boas e amadas”. Essa oração bela e intrigante me chamou a atenção por uma simples razão: A necessidade de se confiar mais no caráter de uma pessoa do que julgá-la pelos seus atos. Em outras palavras, precisamos inverter a ordem estabelecida pela cultura pragmática e nos relacionar de forma que o caráter de uma pessoa dê significado aos seus atos, e não o contrário. Ou seja, o pensamento de Bonhoeffer aponta para uma pergunta fundamental: Nosso relacionamento com Deus é medido pelo cálice que Ele nos dá para beber ou pelas mãos que o oferecem? Essa pergunta é fundamental porque, dependendo de sua resposta, nosso relacionamento com Deus toma direções opostas.
Jesus passou por um momento difícil em sua vida, um cálice amargo, quem sabe o mais amargo que alguém já bebeu neste mundo. Diante da crucificação que se aproximava, os passos dos seus inimigos, o beijo do traidor, os açoites que retalhariam seu corpo, os pecados de toda humanidade sobre Si, o Ser mais Santo do Universo sofreu terrivelmente. Diante do cálice Ele orou por três vezes: “E, adiantando-se um pouco, prostrou-se com o rosto em terra e orou: Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mateus 26:39). Finalmente Ele aceitou beber o cálice amargo que o Pai lhe deu.
É aqui que mais sofremos. Quando é o cálice que determina o relacionamento e define a natureza das mãos que o oferecem, nossos relacionamentos serão sempre marcados pela suspeita e pela dúvida. Deus será sempre medido pelo que Ele faz, e não pelo que é. Tem havido cálices amargos na história humana. Seguramente, muitos deles são oferecidos por mãos perversas e covardes. No entanto, não é o cálice que traz em si qualquer virtude, mas as mãos que o oferecem. Talvez seja por isto que muitas frustrações e revoltas que temos contra Deus, e mesmo contra as pessoas, são frutos de uma mudança de foco das nossas atenções. Ao invés de olhar para os olhos amorosos e ternos de Deus, olhamos apenas para o que encontramos em Sua mão.
Mas quando aprendemos a crer que Deus é bom, justo e amoroso, que sua vontade é boa, perfeita e agradável, aceitamos o cálice que nos oferece. Seja ele qual for, o aceitaremos simplesmente porque é Deus quem nos dá.
Esta disposição nos colocará numa relação de confiança que promoverá uma profunda e revolucionária mudança em nossa vida, não apenas em relação com Deus, mas também nas nossas relações com o nosso próximo e com o mundo que nos cerca.


Gilson Souto Maior Junior
Pastor Sênior da Igreja Batista do Estoril - Bauru-SP
e-mail: gilsonsmjr@hotmail.com

(Jornal da Cidade - Bauru-SP - 14/08/2014)

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